Como você deve ter percebido, esse ano foi o segundo seguido em que a Python Brasil foi liderada por uma mulher. A última vez que isso aconteceu foi em 2013, 2022 será liderado por um homem e 2023 terá uma mulher como co-líder. Qual o problema nisso? Desde que a organização seja diversa e as pessoas sejam ouvidas, não há tantos problemas assim. Não digo isso apenas como um sinal de alerta às futuras organizações, mas como uma reflexão sobre a desse ano.
Nosso objetivo esse ano era que a edição fosse a mais inclusiva possível. Assim que fechamos o primeiro contrato de patrocínio, fizemos orçamento para ver se era possível ter intérprete de Libras em todas as trilhas, todos os dias. E fico feliz em dizer que conseguimos! Não só para palestras, mas tivemos ainda as keynotes, dois tutoriais e a Assembleia das PyLadies com acessibilidade em Libras. Isso foi um passo muito importante.
Uma das trilhas foi em espanhol, com a finalidade de nos aproximar de outras comunidades latinas. Mas também sabemos que nem todo mundo sabe falar espanhol - inclusive, apenas duas pessoas da organização sabem -, então contratamos o serviço de tradução simultânea.
Outra coisa foi a escolha das rodas de conversa. Começar o evento com o AfroPython foi muito significativo. Eles são um movimento muito forte na comunidade e mostrar seu trabalho era o mínimo que poderíamos fazer. A roda de conversa sobre segurança foi organizada por uma mulher, Clara Nobre, e foi formada majoritariamente por mulheres.
Acredito que a escolha de keynotes tenha sido a parte mais fácil. Cada um colocou suas sugestões assincronamente e quem estava na reunião defendeu sua escolha. Cada pessoa da organização escolheu suas 5 keynotes e a grade ficou linda. Quatro mulheres, um homem e uma pessoa não-binária. Sendo que metade dessas pessoas são negras. E não digo isso para colher "os louros da diversidade". Já estava passando da hora de ter essa representatividade entres as pessoas palestrantes principais.
As trilhas receberam nomes de mulheres, por inspiração de uma palestra da Clara Nobre, já citada. Entretanto, em algum momento, achei que seria legal usar o nome de mulheres atuais da nossa comunidade. Quando apresentei a primeira versão, recebi um "tu não acha que essa lista tá muito branca?" vindo da Ana Cecília. E agradeço profundamente por ter alguém na organização que percebesse isso. Então fiz outra lista, destacando as quatro mulheres que eu escolheria, sendo que a quinta foi escolhida pelo Gabriel (Gabu) Bellon.
Eu não queria holofotes sobre quem eram essas mulheres. Queria que as pessoas pesquisassem e descobrissem o que tinham em comum, além de serem super importantes para a tecnologia. Faltei explodir de alegria quando o Felipe Morais percebeu. Tinha mais duas características escondidas: uma das mulheres é colombiana, escolhida para nomear a trilha de espanhol, e outra é trans. E, mais uma vez, explico isso tudo não para mostrar a organização como desconstruída, mas para mostrar a necessidade de pensamentos e vivências diferentes. A nível de curiosidade, as mulheres escolhidas foram: Shirley Ann Jackson, Marie Van Brittan Brown, Timnit Gebru, Angelica Ross e Bonnie Prado Pinto.
E como nem tudo são flores, tivemos alguns incidentes durante o evento. Adianto que a equipe de resposta a incidentes do Código de Conduta já está ciente de todos eles. Nesse ponto, gostaria de destacar dois. O primeiro, logo na segunda-feira, foi um homem que perguntou "não posso participar do AfroPython só porque sou branco?". A resposta curta: "entendeu certo, não pode". Mas falamos que existem muitos grupos de programação e nós não precisamos ocupar todos eles. O segundo caso foi de um homem que queria a todo custo participar da Assembleia das PyLadies, alegando que queria saber como ajudar. Aqui houve um debate mais acalorado, já que existem vários conteúdos feitos pela rede de comunidades e, mesmo assim, ele queria invadir nosso espaço seguro. Por que citar isso? A organização foi composta por 11 mulheres e 8 homens. Entretanto, a maior parte era branca e cis, tendo uma pessoa não binária. Mesmo sendo diversa, ainda não foi diversa O SUFICIENTE. O ideal seria agir antes mesmo que os incidentes aconteçam, mas é difícil fazer isso quando nós não presenciamos e nem ouvimos falar de histórias semelhantes. Claro, isso é falta de estudo da nossa parte. É um ponto a ser melhorado.
Mesmo que, no meu ponto de vista, a edição deste ano tenha sido mais inclusiva e diversa do que nos anos anteriores, ainda existem grupos que não conseguimos alcançar. Simplesmente não sabíamos como chegar nas pessoas sem parecer "as empresas que só lembram das PyLadies no dia da mulher", parafraseando a Ana Dulce. Então, fica aqui o apelo: caso você faça parte de um grupo historicamente sub representado na nossa comunidade Python, participe da organização. Por mais que tentemos fazer do evento um lugar seguro e inclusivo para todas as pessoas, nem sempre temos as vivências necessárias para que isso aconteça. Não podemos apagar o passado, mas estamos trabalhando para que ele não se repita. Vem construir esse caminho também!