Por mais bizarro que possa parecer já que eu me tornei uma engenheira de software há um ano atrás, as primeiras linhas de programação que eu escrevi foi no ano 1994. Eu estava no primeiro ano do ensino médio na ETESP, uma escola na zona norte de São Paulo, e essa escola tem lá um curso técnico que na época era chamado de “Processamento de Dados”. Esse curso ensinava aos alunos um pouco de tudo no mundo TI: programação, lógica, base de dados, como computadores funcionam, e mais um pouco, já não me lembro bem, faz muito tempo isso! 😂
Essa foi a primeira vez que eu usei um computador na vida, eu não tinha um em casa. Essa foi também a primeira vez que eu tive acesso à internet. Apesar de eu ter curtido bastante o lance de “achar qualquer coisa na internet”, tenho que confessar que não curti muito programar. O que eu me lembro daquela época (e eu tinha 15 anos) foi que achei “bem difícil”. Eu adorava aprender línguas desde aquela época e queria fazer faculdade de letras em inglês/português (o que eu acabei fazendo depois do ensino médio). Na minha cabeça, o que se passava era: pra que que eu vou aprender algo tão difícil? Leve em consideração também que as linguagens que eu tinha que aprender na época eram coisas como C, Turbo Pascal, and Cobol, que como tudo mundo sabe tão longe de ser amigáveis para iniciantes!
Mas eu tinha colegas que estavam curtindo programar. O tempo foi passando e eu via elxs escrevendo seus primeiros programas e rodando com sucesso. Em seguida escrevendo programas cada vez mais complicados. Enquanto isso, eu ficava cada vez mais para trás. Na minha cabeça, eu dizia para mim mesma “Eu não gosto de programar mesmo..” e acabei focando apenas em conhecer mil bandas de metal/punk naqueles anos (o que eu não me arrependo, nota que até hoje eu toco em bandas!). Mas eu me lembro de ter lá no fundo, bem escondido, um pensamento do tipo “Pô, eu queria conseguir fazer isso também.”
Eu terminei aquele curso com uma mentalidade “eu não consegui aprender porque aquilo ali não era pra mim, eu gosto de humanas, não de exatas, e é isso”. Mas recentemente, desde que eu decidi me tornar uma engenheira de software, tenho pensado sobre as razões do por que eu tinha tanta aversão em programar naquela época.
Além do fato de C e Turbo Pascal serem coisas assustadoras e ninguém ter me ensinado sobre a mentalidade de crescimento (bem, o conceito só foi criado nos anos 2000), há mais que isso. Um fato foi o acesso a computadores. Eu me lembro que os melhores alunxs programadores eram aqueles que tinham computadores em casa. Elxs não apenas já dominavam o básico (como digitar/como usar um mouse/alguns comandos em DOS/como funcionam aquelas janelinhas no Windows 3.1) mas também tinham oportunidade de praticar programação em casa, de fazer sua lição de casa em casa. Para mim, isso significava ficar na escola por mais tempo, e eu preferia chegar em casa cedo e ficar ouvindo música. Eu nem sei se meus pais tinham dinheiro para comprar um computador naquela época.
Outra coisa, é claro, foi a questão de gênero. Eu me lembro que até meninos que não tinham acesso a computadores tiveram uma transição mais suave para começar a programar. Talvez por causa dos vídeo-games, talvez porque os amigos ajudaram eles, talvez porque eles foram ensinados desde crianças que poderiam aprender qualquer coisa, especialmente como lidar com máquinas. Como menina, eu tive bem pouco, senão zero, encorajamento para aprender coisas técnicas, elogios por minhas conquistas técnicas, ou mentoria para vencer obstáculos.
Tudo isso eu só me toquei agora, 25 anos depois. Até então, programar era apenas algo “legal, mas não para mim”. Acredito que meu curso técnico me deu uma boa base que acabou me ajudando de alguma forma na minha jornada no mundo tech, mas se não fosse pela recente onda de bootcamps/mulheres em tech/mentalidade de crescimento, eu não teria me jogado para se tornar engenheira de software. A cultura muda bastante em 25 anos, e eu fico feliz de ter embarcado nessa, mas aposto que, nesse mesmo momento em alguma escola por aí, existe uma menina/pessoa não-binária que está dizendo também “legal, mas não para mim”. E cabe a nós, mulheres, pessoas não-binárias, ou sem um background tradicional em tech, dizer a elxs: “Na verdade…”.
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